domingo, 1 de fevereiro de 2009

Camuflagem

- O reflexo da luz do computador coloria o rosto dele de uma maneira engraçada que prendia sua atenção mais que o reflexo do sol poente nas janelas da redação. Na verdade, tudo relacionado a ele era capaz de desligá-la do fardo de escrever sempre sobre a mesma coisa. Sua seriedade, o olhar terno e a incrível capacidade de fazê-la sentir como uma adolescente apaixonada - ela pensava enquanto aos poucos voltava a ouvir uma outra voz...

- É pra ontem a matéria do equinócio!!!
- Ah, claro, sim senhor...

E voltou a digitar.


(Fruto de duas aulas chatas.)

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Lembrança (Clima Fim de Ano)

Leite, fralda, carne, fósforo, Aspirina, "Você aceita débito?", um olhar, "Sá, espera sentadinha aqui enquanto a mamãe guarda as compras", uma pausa, outro olhar. Não é possível. Depois de tanto tempo, 20 anos. Não pode ser, o rosto está tão diferente. O que o tempo não faz com a gente. Mas o sorriso é o mesmo, "A senhora precisa de ajuda?", uma pausa.

"Ah, não, obrigada. Boa tarde!". Outra pausa.

Sacola, sacola, sacola, sacola, bolsa, mamadeira, "Dá a mão, vamos pra casa". "Quem era, mãe?", "Eu que sei, filha?". Uma pausa.

É. Eu que sei.

*
Nostalgia mode on!!! E só vai acabar o meu próximo post do Contos, aguardem.
Enfim, texto levemente modificado, mas com a mesma cara.
Nos vemos por ai...

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Subfeelings (coletânea)

Foto de http://olhares.aeiou.pt/

Subfeelings 1

Autoria: ???

Ele estava lá, sentado, ouvindo Ipod quando parou pra olhar pra garota que entrara no vagão. Atrapalhada com suas mil coisas, atravessou a multidão em direção ao único lugar que conseguiu achar (por coincidência, ao lado dele). Ela levou um empurrão pelas costas e seu livro de contos caiu no colo dele, que observava seus cabelos meio presos através do reflexo do vidro. Devolvido o livro, ela se acomodou e abriu na página marcada por vários papéis de diversos assuntos, como uma agenda. Ele não tinha coragem de olhá-la nos olhos. Continuou ouvindo música. Ao virar a página, ela encontra uma foto. Lágrimas rolam pela sua face delicada e limpa. Sem saber o que fazer, lançou um breve olhar para os lagos de lágrimas em seus olhos. Deram-se as mãos e seguiram assim até a estação final.

*
Subfeelings 2
Autoria: Mel S.

Mais uma vez ele estava ali, parado, esperando o trem partir levando consigo mais um caso mal resolvido. Mais um abraço. Mais palavras que ele, de novo, se arrependerá de ter dito. Estagnado, fitando os olhos descrentes encobertos por mechas do cabelo que caia sobre a mochila agarrada com força. Era outra imagem que se desfaria ao som do sinal e piscar de luzes das portas se fechando. Novamente, o tempo passava acelerado diante de seus olhos que nada mais podiam fazer (de novo).

*
Subfeelings 3
Autoria: Noa Capelas

-Não impeça o fechamento das portas!

Ana Rosa, minha casa
Tenho falta de ar na claustrofóbica Alto do Ipiranga
Corro contra a luz , no sentido Jabaquara
E não há vista como a do Sumaré

Nunca tive coragem de descer na Sé
Esmaga homem , esmaga mulher , esmaga criança , esmaga velho...
Quanta gente amarrotda , meu Deus!

No metrô eu nada consigo escutar
Agora inventaram até de pegar celular...

Um homem me olha , uma mulher me encara , um cara me come com os olhos.
Quem é que nunca teve um amor de metrô que atire a primeira pedra.
Sem dúvida , não se trata de um paulistano de verdade.

- Próxima estação: Imigrantes!

Desço as escadas e passo pela catraca...
Outro dia que se vai.

*

Nada como devaneios subterrâneos!

domingo, 28 de setembro de 2008

Cansei de ouvir pessoas, música, reclamações. Acho que vou ficar só ouvindo o vazio do apartamento, do meu copo, da rua lá fora. Curtir minha própria solidão antes do sono me derrubar, me sentir tão invisível quanto numa multidão atravessando a rua na Paulista, fazer com que lágrimas venham a tona sem porquê. Há quem troque isso por uns copos de cerveja, desesperadas xícaras de café, frustrantes comprimidos de calmante. Tudo pra fugir de algo que eu prefiro deixar correr enquanto não tenho uma outra solução.

*

Alguns gostaram só da idéia, outros gostaram só do "desesperadas xícaras de café", outros gostaram de tudo. Inicialmente, eu não tinha gostado tanto. Mas agora ele cabe como uma luva, mais que quando escrevi. Cá está.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Texto encontrado na arrumação do quarto

Ela nunca pensou que pudesse ser tão difícil. Depois de ter conquistado um sonho, tudo parecia fácil, menos despedir-se daqueles olhos claros que a fitaram quando ela entrara no salão. Após muita dança, comemoração e riso, finalmente estavam a sós. Uma simpels e tímida conversa resultara em nostalgia e risadas. Uma imensa saudade terminou num abraço forte e acolhedor. Ele percebeu que ela chorava e a consolou com carinhos nos lisos cabelos que caiam sobre seus ombros. Ela podia ouvir o coração dele, pulsando forte como o dela. Os olhares novamente se cruzaram. ela se perdia num sorriso discreto, ele naqueles brilhantes olhos verdes. Um único e terno beijo marcou aquele momento que parecera durar horas, encerradas por mais um abraço envolvente e por mais lágrimas.

domingo, 7 de setembro de 2008

Vida de pescador

Sunrise, Monet

O sol nascia encoberto pela neblina naquela gelada manhã.Os barcos estavam aportados e não havia sinal de vida no cais.

Era essa paisagem que eu costumava ver ao acordar em meu barco: fria e solitária.Mas o frio e a solidão das manhãs de outono não mais me incomodavam após uma longa temporada de pesca fora de casa.

Essa era a vida de pescador.Belas paisagens,tristes saudades eufemisadas pelo tempo.Uma profissão cheia de constrastes complementares,uma vida cheia de compensações.

O sol já brilhava mais alto e as cores antes cinzas no firmamento tornavam-se quentes e vibrantes.Logo minha paz e meu silêncio matinais findariam e voltaria para a minha rotina de compensações.

sábado, 30 de agosto de 2008

Memórias concretas

Nathan, Cotô, Mel. by Paula


Quem diria que uma varanda virada pra outras varandas guardaria lembranças tão profundas quanto o horizonte num campo aberto. O chão, a grade, as cadeiras, as paredes. Inundados de lágrimas, palavras, abraços, consolos. Ontem, junto com as memórias que emergiram, a chuva despencou sobre a varanda, lavando o concreto e o metal. Começa uma nova temporada de sensações.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Feriado, chuva, tédio, texto.

Lá fora a rua vazia chora e aqui dentro só me resta um pijama, uma barra de chocolate e um filme "água com açúcar". A chuva coloriu de cinza o céu paulistano de meio de feriado, destruindo as chances de eu sair dessa minha prisão particular. Só me resta então ficar enrolada num cobertor e ligar o DVD. Ou devo dizer, restava. Um galho de árvore resolve tombar na fiação da rua nesse exato momento e a incrível Lei de Murphy começa a brincar na garoa. Olhando pela janela, vejo o pessoal da prefeitura tirar o galho da rede, mas a essas alturas eu já não estou com vontade de assistir ao filme que espera há mais de duas semanas na minha prateleira. Ainda olhando pela janela, percebo que a neblina cobre o topo dos outros prédios e a linha do horizonte. Poucas pessoas passam pela rua, com seus inúteis guarda-chuvas ou capas. A água agora cai de lado, esboçando no vidro da minha janela uma figura impressionista. O frio me deixa com vontade de uma xícara de café, mas o pó acabou e me contento com uma caixinha de Toddynho. A energia elétrica volta a funcionar, me dando a chance de ligar o som e colocar uns CD's velhos pra tocar. Embalada ao som de Caetano, adormeço no sofá da sala.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Passeata Infantil (coletânea)

Só um fato curioso...
Ontem eu estava meio chateada e sentia a necessidade de pegar o caminho mais longo até a casa da minha avó... Sabe, só pra passear...
Coloquei o violão nas costas e fui seguindo... Desci a ruazinha que dava nas pracinhas bonitinhas com casas legais e árvores floridas.
Contornei a primeira praça e segui para a segunda. Então, nel mezzo del camin, encontro umas 20 crianças entre seus 4 e 6 anos acompanhadas por alguns adultos. Estavam todas de uniforme e com placas coloridas de giz de cera que diziam algo como "Salve a natureza" e "Não corte as árvores". Usavam também faixas de cartolina na cabeça com nomes de animais em extinção.
Achei engraçado. Como a calçada era estreita e eu não podia me arriscar no meio da rua, esperei a passeata passar enquanto olhava pros dizeres nas placas e faixas. Então um dos adultos empurrou uma criança na minha frente e disse "Olha, ela quer te dar uma coisa". Não aceitei o presente da criança. Afinal, ela estava sendo forçada a me entregar a tal coisa. Esperei até as últimas crianças passarem.
Então parou diante de mim um garotinho bochechudo, loirinho, com as mãos estendidas para mim. Peguei o papel que ele segurava. Era um cartão em papel reciclado. Perguntei a ele se era para mim, ele fez que sim com a cabeça antes de sair apressado atrás dos coleguinhas.
Quando olhei mais atentamente para o cartão vi que dizia "Nunca mate os tubarões" entre manchas coloridas. Abri o cartão e lá estava um belo desenho de um tubarão com um sol poente e a assinatura: João Vítor. Não pude deixar de dar uma longa risada.
Então lembrem-se amiguinhos: nunca mate os tubarões. ;D

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Peripécias 03-02-08 (autor: Alcir Del'Guy)

“[...] Enfim, nunca mate os tubarões.” – E terminava o seu discurso assim, com a voz firme e uma certeza incontestável nos olhos. O aglomerado que se formara em volta durante sua oração pasmava embasbacado, enquanto ele passava olhos por olhos por todos aqueles que o espectavam.
Assustei quando aqueles olhos me acertaram. As palavras que dissera ainda pairavam desordenadas pela minha consciência e como se num estalo foram logo todas prum canto em ordem numérica. E ele terminava a observação em meus olhos, me engolindo – e meu coração apertou de súbito por um instante.
Olhos nos olhos, era como se fosse ainda maior do que quando falava e comecei a sentir um cheiro estranho de loção pós-barba vindo daquele molecote de pernas lisas. As outras crianças que o circundavam talvez não entendessem o porquê daquele garoto franzino, ainda menor do que todos eles, parecer de repente um gigante com um pirulito na boca.
Ele deu um último gole na xícara de café amargo e logo aquela expressão tão adulta, tão certa, desmanchou-se num sorriso infante. Aquele homem de mochila do batman desfez-se então de seu terno e gravata numa gargalhada deliciosa, e saiu galopante pelo parque, deixando sequer rastro daquele haver enorme.
Aquela mão pesada que apertava meu peito soltou, e voltou meu coração taquicárdico. Continuei olhando enquanto a criança pululava por entre as árvores lançando-se por aí em manobras desengonçadas, e saí balançando a cabeça. Homens...